Esse é mais um texto meu sobre assuntos que estão em discussão na Assembleia Legislativa.
A Área de Proteção Ambiental – APA de Tamoios, unidade de conservação de uso sustentável, foi criada pelo Decreto Estadual 9.452, de 5 de dezembro de 1986. É predominantemente marinha, abrangendo 90 mil hectares de área bruta e 21.400 hectares de área útil. Em seu interior encontram-se mais de 90 ilhas.
Essa APA, criada antes da Lei Federal 9985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, é considerada um paraíso ecológico, detentora de remanescentes de Mata Atlântica – remanescem no país menos de 3% desse bioma conforme encontrado no descobrimento – habitat de espécies endêmicas, comunidades raras e ameaçadas de extinção, de que é exemplo o menor sapo do mundo, com apenas 1cm, endêmico da região.
Em 01 de julho de 1994 foi instituído o seu Plano Diretor que, basicamente, estabeleceu o zoneamento ambiental. Embora esteja à frente de muitas unidades de conservação, pois tem Plano Diretor, essa APA não saiu até hoje do papel. Não foi estabelecido para ela, como em quase todas as unidades de conservação estaduais, um gerenciamento que desenvolvesse estudos científicos e exercesse uma fiscalização eficaz. Nesses 23 anos de sua criação, a legislação que protegia os seus atributos ambientais relevantes foi desrespeitada e não temos, ainda, um conhecimento mais profundo das consequências para o meio ambiente dessas intervenções.
Em 12 de dezembro de 2009 foi assinado o Decreto 41921/2009 alterando o artigo 7o do decreto que instituiu o Plano Diretor da APA, cuja redação original
II - Nas ZCVS será admitido, para as residências unifamiliares e para os empreendimentos turísticos já existentes, um acréscimo de, no máximo, 50% (cinqüenta por cento) da área total construída, desde que a taxa de ocupação não ultrapasse a 20%. Este acréscimo, para os empreendimentos turísticos dependerá de licença da FEEMA.
passa a ter a seguinte redação:
“nas ZCVS será admitida a edificação ou ampliação de residências unifamiliares e empreendimentos turísticos em área comprovadamente impactada por uso anterior desde que este não ultrapasse a taxa de 10% (dez por cento) do terreno, e respeitadas as áreas de preservação permanente. Os 90% (noventa por cento) restantes serão as áreas de conservação e recuperação, utilizando-se somente espécies nativas típicas do ambiente litorâneo da região, devendo isto constar como restrição da respectiva licença ambiental.”
Aparentemente, passando a taxa máxima de ocupação de 20 para 10%, o decreto estaria diminuindo a ocupação humana, mas isto não corresponde à realidade. Com esta nova redação o número de ilhas com possibilidade de novas ocupações passa de 4 para 57, portanto permitindo a construção em 10% da área bruta dessas ilhas. Além disso, o decreto exclui o limite máximo de 50% para ampliação das casas e empreendimentos turísticos existentes, única possibilidade então legal de construção nesta zona, pois não existia a possibilidade de obras novas. Este era, de fato, o parâmetro limitador das construções, a maioria delas pequenas casas.
A justificativa para a alteração do Plano Diretor da APA apóia-se nas acentuadas transformações no uso e ocupação do solo desde a aprovação do seu Plano Diretor, nos conflitos existentes nos procedimentos de licenciamento ambiental e nas freqüentes manifestações emanadas de diversos segmentos sociais sobre os conflitos existentes entre o plano Diretor do Município de Angra dos Reis e o zoneamento da APA de Tamoios.
Que alterações decorrentes da ação do homem ocorreram desde 1994, ano aprovação do Plano Diretor, até 2009, ano do decreto em análise? Estariam, em função delas, mais espécies ameaçadas? Quais áreas deveriam ser recuperadas, conforme orientou o próprio Plano Diretor e não o foram? A zona alterada pelo decreto era prioritária para recuperação ambiental. Quais áreas de importância relevante para o patrimônio natural foram impactadas pelo homem? Que riscos de deslizamento de encostas foram criados com as intervenções sem controle? Enfim, que prejuízos as alterações trouxeram para a biota e para o homem?
Quais segmentos sociais manifestaram-se contra a APA? Quais são os conflitos com o Plano Diretor de Angra dos Reis? Seria a permissividade de novas construções em 10% de toda a ZCVS decorrente do Plano Diretor de Angra dos Reis?
O decreto, elaborado sem prévio diagnóstico e sem ouvir os vários segmentos sociais interessados e publicado quase em surdina – não está na Internet -, induz perguntas sem respostas aqui já expressas e outras que certamente seriam levantadas por moradores, ambientalistas, empresários e proprietários nas saudáveis e democráticas discussões.
Em evento realizado no Tribunal de Contas do Estado, a Secretária do Ambiente justificou as alterações como necessárias para evitar processos judiciais daqueles que executaram obras em desrespeito à legislação. Daqui a dez anos teremos novo decreto para legalizar o irregular? Certamente que em pouco tempo, descoberta tal estranha posição do Estado, não teremos patrimônio ambiental na APA de Tamoios e por contágio nas demais unidades de conservação estadual.
Alterações podem, sem preconceitos, ter o objetivo de oferecer mais oportunidades para os proprietários e empresários, com benefícios também sociais, mas todos devem ser ouvidos e o foco deve permanecer na proteção ambiental, objetivo da unidade de conservação, o que parece não estar ocorrendo. O próprio decreto estabelece o prazo de 180 dias para novo Plano Diretor da APA o que pressupõe que novos estudos ambientais e zoneamento serão realizados - O PRAZO JÁ SE ESGOTOU, O PLANO ESTÁ PRONTO? FOI FEITO UM DIAGNÓSTICO AMBIENTAL? FORAM PROMOVIDAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS? Porque não esperar a conclusão do novo plano? As alterações nos limites e parâmetros estabelecidos para uma área ambiental como a APA de Tamoios não encontram suporte tão somente em fotos aéreas (1995) e percentuais (10%).
Como modelo do que pode ocorrer, vamos imaginar que a ZCVS que está sendo alterada represente 10% de total da área emersa da APA. Isto corresponderia a mais de 24 quilômetros quadrados. Dez por cento desse total, 2,4 quilômetros quadrados ou 2 milhões e quatrocentos mil metros quadrados, poderiam ser construídos. Podemos dizer ainda que 10 mil casas de 480 metros quadrados em dois pavimentos teriam condições legais de serem edificadas, assim como grandes empreendimentos turísticos em glebas do continente e das ilhas.
Mas, apesar da tragédia que se abateu sobre a cidade fluminense no final de 2009, o decreto, elaborado sem participação popular e sem base técnica e científica, se mantém. A sociedade deve exigir um novo diagnóstico geotécnico e da fauna e flora para essa e qualquer outra alteração na legislação sobre a APA de Tamoios, que foi criada buscando um objetivo que não foi cumprido em virtude da total ineficácia do Estado. É a própria Constituição que está sendo ferida em seu Artigo 225, nos incisos I, III e VII do Parágrafo 1o.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
terça-feira, 15 de junho de 2010
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